Não me assustou a superioridade das batas brancas, o cheiro insuportável a esterilizado ou a dor.
Amedrontou-me a imprevisibilidade do desfecho, a impotência contra os desvarios de uma máquina/corpo/invólucro que me apetecia rejeitar e a vida a pairar, interrompida, presa num sinal amarelo intermitente sem fim.
Doeu-me ser diferente, olhar a vida dos outros e nela não poder encaixar a minha, encarar o futuro minuto a minuto, dia a dia, e querer sorver tudo de um só trago.
Resisti. Aos 3 cancros, aos dias e noites de desalento, à sensação de amputação (de uma parte de mim, de uma parte da vida) e e à permanente e cortante lucidez.
Procurei brechas de normalidade, frestas de luz em dias cinzentos, sentidos e momentos de felicidade.
Neste caminho de cerca de 12 anos desejei morrer, quis fugir e procurei esconder-me dentro de mim sempre que consegui.
Vi muito: meninos presos a máquinas quando deviam estar a brincar numa qualquer escola, pais sem esperança, famílias em suspenso, avós com peles curtidas pelo sol e vidas de dureza extrema a lutar por mais alguns dias.
Resisti. Tive sorte.
E senti que os outros valem a pena, os laços nos fazem maiores e melhores, a maior luta é aquela que escolhemos travar e o amor é o maior milagre da vida.