sábado, 26 de novembro de 2011

cont....

- Não posso crer. Agora que tinha conseguido sentir alguma afinidade com a nova casa e com o novo trabalho. Até já fui tomar uns copos com alguns colegas.
- E? O que tem isso a ver com a carta que o João te enviou?
- Muito. Pensei que a história tinha acabado e que eu só poderia seguir em frente.
- O que muda a carta?
- Pedro, muda tudo.
- O que tens a perder?
- A paz.
- Diz antes: uma existência seca, morna, rotineira.
- Oh... não digas isso. Fico triste.
- Ema, minha querida, conheço-te há uns 10 anos e penso que querias exactamente isso: um recuo, uma prova de amor, um reposicionamento das peças no tabuleiro.
- Mas... E se voltar exactamente ao ponto onde estou? E ainda por cima com mais algumas nódas negras...
- Ninguém te poderá responder a isso.
- Pois...
- Ema, não lutes contra ti própria. Esse é o combate mais desigual e injusto que poderás travar.
- Amo-o. Segui em frente, porque devia, porque queria aparentar ser mais forte e fria do que sou. Mas não o esqueci. Nunca o esquecerei.
- Ainda tens a casa na montanha?
- Sim, por enquanto. Preciso da renovação interior que ela me permite. Porquê?
- Marca um encontro com ele lá. Faz todo o sentido. Se vão retomar no ponto que deixaram...
- Não sei se quero.
- Não sabes se deves.
- E o que se passará a seguir?
- Viverás. Com ou sem ele.
- Será?
- O sexo era bom?
- Não sejas parvo. -disse Ema, sorrindo.
- Era?
- Era mais do que sexo. Era sentir o mundo parar e a vida interromper-se. Era sentir-me rasgar e ao mesmo tempo colar.
- E ainda tens dúvidas quanto a reencontrá-lo, rapariga?
- Tenho medo da ferida voltar a abrir e de não a conseguir fechar.- suspirou Ema.
- Tu nunca tiveste medo. Sempre foste até onde outros nunca ousaram sonhar, sequer.
- A logística é complicada.
- Quantas mais desculpas vais arranjar?
- Pronto. Vou responder e tentar marcar umas folgas.
- Até que enfim. Olha...
- Sim...
- Não o faças prometer aquilo que não poderá cumprir. Ou tu. Vive o momento. Quem dera uma história de amor como a tua.
- Se persistires em não te querer comprometer e em não te quereres mostrar dificilmente te soltarás o suficiente para viveres um amor, já to disse.
- Sim, já disseste. E essa é uma conversa pesada. E estávamos a falar de ti.
- Okay, okay.
- Ema...
- Diz...
- Vive!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

cont.

«Ema, meu amor,

A alma pesa-me como chumbo. O Outono transformou-me em Inverno.
Deixei-nos ir por medo e cobardia e sinto ter cometido o erro da minha vida.
Julguei conseguir deixar-te sem te deixar, amar-te e depois esquecer-te. Como com todas as outras mulheres… Ainda que pressentisse tudo ser diferente, recuei como de todas as outras vezes.
Afinal a minha vida não é grande coisa. As críticas, os aplausos e os agradecimentos não a completam nem preenchem os espaços em branco. Tu fazias isso.
Lembras-te de lermos em voz alta Vinicius e de ouvirmos sem parar Bowie: “Love me, love me, love me, say you do, let me fly away with you…”? Como tudo parecia suspenso…
Agora busco em vão o som do nosso riso e o brilho húmido do olhar, os sussurros e a tempestade de emoções.
Apaixonei-me pela mulher que és; imperfeita, com arestas e pungente, inesquecível e arrebatadora. Seres ou não a mulher ideal é completamente irrelevante, sei-o agora.
Dava tudo para voltar atrás e recuperar os momentos de que guardo as memórias.
Irei a tempo?
Muito teu,


                                                                                              João»


domingo, 20 de novembro de 2011

Crepúsculo

- E?- perguntou em uníssono o elenco de uma nova peça que se preparava para estrear.
- Mais do que alguma vez julguei ser possível. Eu tinha razão.
- Quanto a conhecê-la?- perguntou uma das actrizes, recém-descoberta.
- Também, Miriam. Descobri que nos tínhamos cruzado num elevador de hotel anos atrás. Falava, no entanto, do imenso que tinha percebido dela.
A Ema podia ser uma mulher igual a tantas outras e era-o, de certa forma. Para lá disso era o vento e a chuva. O sol na noite mais escura. O silêncio cortante e o abraço sem fim.
Senti-la era sentir-me à beira de um precipício; receoso, despojado, livre e autêntico.
Ao mesmo tempo que me permitia descobri-la, mostrava-me uma nova forma de amar. A verdadeira, a maior…
- Era bonita?- não se impediu o protagonista de perguntar.
- Muito. Lembrava-me o mar; sereno, intranquilo,  irrepetível, impossível de conter.
- O que aconteceu na montanha mudou-te?- perguntou ainda.
- Julgo poder dizer que nos mudou. Aos dois. Consegui sentir-me mais próximo do sentido e do significado que queria imprimir à minha vida. E ela, bem… ela parecia que tinha estado à minha espera.
Permitimo-nos abandonar-nos sem projectar o passo seguinte, saboreando cada instante. Lemos juntos, revimos filmes e descobrimos outros, cantámos fora do tom, dançámos, discutimos pontos de vista e opiniões, acabando, de certa forma, por encontrar o equilíbrio em quase tudo.
- E depois?- insistiu Miriam.
- Nunca houve depois. Como imposição ou obrigatoriedade de continuação, pelo menos. Houve o nosso tempo e o caminho que cada um traçou a seguir.


- Nunca serei a mulher ideal para ti, pois não?
- Porque dizes isso?
- A verdade, por favor.
- Talvez não. Esperas demasiado. De ti e dos outros.
- Somos felizes?
- Hoje, sim. Muito. Mas tenho medo que amanhã te pudesses sentir infeliz, tendo-me.
- Infeliz porquê?
- Porque terias medo das outras mulheres, porque me quererias mais e melhor, porque não te contentarias com os bastidores.
- Sou assim tão egocêntrica?
- És um sol que precisa de muito afecto para poder brilhar.
- Serei?
- Nunca conheci ninguém como tu, Ema. Deixei-me enredar no temporal que trazes. Ensinaste-me a ser verdadeiro, a ir só se quiser, a abrir-me e a deixar entrar. Fizeste-me frágil.
- Como te sentes?
- Em carne viva.
- Não…
- Dói-me saber que partirei amanhã. E que nos deixarei para trás.
- E tem que ser assim, João?
- Não, mas deve.
- Não quero.
- Nem eu. Quero que não nos esqueçamos de que conseguimos ser felizes e completos.

domingo, 13 de novembro de 2011

Entardecer

- Posso fazer-lhe companhia?
- Hã? Ah, sim. Pelo menos até desvendarmos o mistério, respondeu Ema, sentindo-se subitamente confortável naquela espécie de jogo.
- O seu?- perguntou-lhe.
Lá estava o sorriso. Impenetrável e irresistível.
- Não sou misteriosa, por muito que me esforce por ser. Falava do lugar de onde me conhece. Estou inclinada a dizer que será de uma outra vida ou de um sonho.
- Outro chá para si?- esquivou-se ele.
- Um copo de vinho branco seco.
- Acho que vou pedir o mesmo para mim. O fim de tarde adequa-se perfeitamente.
- Perdoe o meu esquecimento. Chamo-me João.
- Ema.
- Perdida neste recanto?
- Pelo contrário. Acho que me encontrei. E o João?
- Talvez procure o que encontrou.
- Aqui?
- Em todo o lado.
- Mas está de passagem, não? -perguntou-lhe, cada vez mais interessada nas possibilidades infinitas daquela conversa.
- Efectivamente. Vim a uma conferência aqui perto e decidi prolongar a ausência por alguns dias.
- A simplicidade e autenticidade irão seduzir-lhe, estou certa.
- E a Ema está por aqui há muito?
- 3 anos. E já estou de partida.
- Encontrou-se, descobriu como alcançar a felicidade e parte, senhora desses ensinamentos?
- A errância e o perpétuo inconformismo impedem-me de parar.
- Inquieta e ávida?
- Muito.
- E o que faz, João?
- Sou encenador.
- Não diga.
- É um mundo fantástico, mas duro.
- Alguma vez representou?
- Todos os dias. Para os outros. Estou a ser sardónico, desculpe. Já entrei em algumas peças de amigos, mas por graça. Interessa-me muito mais dirigir, concretizar a conceptualização que faço de uma qualquer história, ir afinando, moldando, adaptando até a entregar ao público.
- E a Ema?
- Escrevo, sem pretensão de passar por escritora. Escrevinho, por assim dizer.
- Sobre?
- Vou passar a escrever sobre viagens.
- Dá muito de si no que faz?
- Quase tudo. Quase tudo, João. Tenho o privilégio de poder ser eu 24 horas por dia, ainda que algumas vezes isso se possa revelar desgastante.
- Quando se faz desaparecer todos os interruptores, acontece isso. Deixa de haver dias úteis, noites vazias ou momentos compartimentados.
- Verdade, mas sou muito mais feliz assim.
- Eu também. E quando sinto estar a atingir os meus limites, evado-me. Como hoje.
Ema sorriu.
- Ainda procura algo?
- Nunca me sentirei completo ou satisfeito. Às vezes apenas procuro formas diferentes de alcançar o mesmo. Caminhos diferentes para o mesmo destino. Também eu sou inquieto e ávido, daí tê-lo descoberto em si. Mais não foi que ver o meu reflexo no seu espelho.
Gostava da sensação de estar a ser subtilmente observada e lida por aquele homem que como tinha aparecido, desapareceria. Mais, ele encerrava um fascínio indelével, mas indiscutível.
- Estou a começar a sentir fome. Os ares da montanha são um bálsamo para a correria de todos os dias.
- Verdade. Por alguma razão, apaixonei-me por este sítio.
- Apaixona-se muitas vezes?
- Cada vez menos.
- Sugere algum local para jantarmos?
- Jantarmos?
- Sim. Ou já tem planos?
- Não, não tenho. Só temo aborrecê-lo de morte quando o seu objectivo era descontrair.
- Como até agora?
Riram ambos.
Desejosa de prender a fluidez daquele momento e o homem que a provocava, disparou sem pensar:
- A vista da minha casa é uma peça.
- E a Ema é uma tela.
- Em branco?
- Também.
- Dê-me algum avanço. Pode ser?
- Perfeitamente. Quer que leve algo? Vinho?
- Sim, obrigada. Não terá problemas em dar com o sítio. É uma casita isolada no meio do monte com um baloiço pintado de branco com almofadas às cores na entrada.
- Até daqui a 2 horas?
- 1 hora e meia. Até porque estou a contar com as suas deixas na cozinha.
- Espero estar à altura. Há muito que prescindi do prazer de cozinhar para mim e para outros.
- Até logo!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Manhã

Ema nunca se sentira tão em paz. Consigo e com o mundo.
A vida corria sem sobressaltos.
Ian, o fiel companheiro com quem partilhara as lágrimas e o riso, as rodelas de chouriço e as bolachas de chocolate, partira. Joy, quase como se subitamente lhe faltasse razão para continuar, também.
Sem cão e sem gata, a casa pareceu dolorosamente durante algum tempo mais vazia, mais triste, mais só.
Após essas perdas, a necessidade de se sentir presente e cúmplice levou-a a esboçar sorrisos a estranhos e a tagarelar com os conhecidos. Não substituía o amor e a ternura, mas protelava a sua busca.
Viajou, reviu velhos amigos, ponderou mudar de vida - outra vez - e decidiu que valia a pena não parar, não se deixar ficar para trás, arriscar.

Por isso, não conseguiu deixar de se sentir eufórica quando lhe telefonaram a dizer que precisavam de alguém com o seu perfil para ser correspondente noutra cidade.
Era gratificante, pensou.

Doía-lhe deixar os plátanos que todos os dias via da janela do quarto, a liberdade de trabalhar sem horários e sem viagens, a tranquilidade bucólica que tanto a tinha apaziguado, o sossego e a absoluta independência.

"É o melhor para mim. É agora ou nunca. Alguma agitação nunca fez mal a ninguém", dizia de si para si.

Decidiu que não iria passar os últimos dias naquele refúgio de que guardaria memórias tão doces, infeliz e esquecida do mundo.
Achou que esse seria o período ideal para desabrochar e comunicar com os outros, como se de um estágio para o que viria a seguir se tratasse.
Por isso, passou a dar longos passeios pela floresta na ânsia de guardar todos os cheiros, todos os estalidos e tudo o que via dentro de si. Optou por tomar refeições leves fora de casa e aproveitar os últimos raios de sol a ler em terraços e esplanadas, sem pressas, pelo dia fora.
Era reconhecida, saudada e felicitada pela nova etapa que começaria em breve.
Sentia-se feliz por tudo.

Num fim de tarde como muitos outros, em que a brisa a despenteava e virava as páginas do livro que lia, foi surpreendida por alguém que lhe disse:

- Nunca li algo que me assombrasse tanto como esse livro.
- Assombroso, efectivamente, anuíu Ema.
- Conheço-a. Aliás, só posso conhecer e sentir-me próximo de alguém que lê preciosidades como essa.
Ema sorriu, corando.
- Não faço parte de nenhum clube de leitura, disse, em tom de desafio.
- Vou descobrir depois de pensar um pouco mais sobre o assunto, mas conheço-a. E pronto!
Ema sentiu-se vibrar quando viu o sorriso maroto e de garoto que o desconhecido esboçou. Era lindo, despreocupado, solto e leve. E sincero, pareceu-lhe.

Não se lembrava da última vez que alguém a tivesse cativado.

Muitas vezes sentira falta do desvario, da corrida desenfreada dentro do seu peito, da vontade de querer ser maior do que o mundo, enfim, da paixão.



quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Trapézio I- Aurora

Os homens eram a maior paixão da sua vida. E o seu maior embaraço.
Descartara alguns, fora ignorada por outros.
Do maior, porventura o menor, se assumira viúva-solteira, incapaz de desentranhá-lo de si. Ainda não deixara de se importar que ele a tivesse trocado num assomo de lucidez-deslumbramento por outra e mudado de cidade, de país, mas não de planeta.

Comprara - a crédito, que a vida não fora de poupanças e de pre(o)visões para o futuro - uma casinha perdida no tempo com horta a condizer, longe dos desvarios cosmopolitas de outrora, fizera as malas, pedira licença para trabalhar à distância sob pretextos vários e fugira sem olhar para trás.

Cumprira parte da sua profecia para si mesma. Tinha paz, um refúgio rodeado de árvores que balouçavam ao sabor da estação, legumes e flores para cuidar, uma gata e um cão e amigos à distância de uma mensagem de telemóvel.

Quando vestia o pijama à noite, sonhava com alguém a despi-lo, recordando mentalmente todos quantos a haviam tocado e permanecido na memória.
Havia perdido a cabeça e um bocadinho do resto por alguns deles, demasiados até, na inesgotável procura daquilo que nunca poderia oferecer: certezas e infalibilidade.
Entregara-se por inteiro a homens incapazes de reconhecer a dádiva e o despojamento e sentira o sabor pálido da desilusão.

Renunciara a tudo quanto lhe pudesse tolher a alma sem vontade.
Sentia-se feliz com o padeiro que lhe vendia o pão, com a dona da frutaria com quem trocava receitas de petiscos, com os transeuntes que faziam férias onde ela decidira procurar viver, com a música que a fazia rodopiar e com os filmes e os livros que a faziam chorar.

Esperava, no entanto.
Um motivo para voltar a fugir.
Uma razão para recomeçar.
Um amor a quem se pudesse confiar.

Esperava...

domingo, 11 de setembro de 2011

Coração em puzzle

«How my heart behaves"?
Como se «L' amour est mort, l'amour est vide.», «like a rolling stone», movido pela obscura atracção por «walk on the wild side», menos cuidadoso e mais exposto do que seria suposto.

Quase sempre se converte em «pagan poetry» pungente, descontrolada e dolorosa. Um grito no vazio, uma sombra na escuridão. Uma nortada sempre pronta a soprar, um sol intermitente.

«It takes an ocean not to break», bem sei.
E dói sentir «that the world's gone and left you behind», encontrar-me parte, mas não todo.

«I've looked at life from both sides now», o que não me impede de o deixar fugir - ai coração vagabundo -, qual cavalo à solta, temerário, expectante, ávido de ser arrastado num turbilhão de emoções incontidas, renascidas, reinventadas.

«I could live a little better with the myths and the lies». Ou não...






Fontes:

Feist
Jacques Brel
Bob Dylan
Lou Reed and the Velvet Underground
Bjork
The National
Sting
Joni Mitchell
Joy Division

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Santo António Além-Capelas

Santo António Além-Capelas era o Trás-os-Montes da minha infância. A aldeia onde os meus pais e eu rumávamos em fins-de-semana, festas e procissões.

A viagem de camioneta, precedida das habituais interpelações,

"Comeste bem, menina?
Sim, mamã.
É falta de educação ir com fome a casa de outras pessoas.
Está bem.
Levas a "suela" (casaco de malha)?
Não tenho frio.
Não interessa. Leva-a no braço.",

levava-me a um mundo semi-encantado onde ainda havia estradas de terra batida, meninos a brincar descalços, avós, tios-avós, primos e mais primos do 1.º ao 6.º grau, cavalos e vacas, hábitos e cheiros diferentes; ao tabaco de enrolar, a sabão branco e azul, a tempo fora de tempo.

E havia a deferência e a admiração para com a menina da cidade, pretensamente educada, que articulava palavras com um sotaque mais polido, cuidada e protegida qual delicada flor.
As vontades eram feitas, os desejos satisfeitos e os apetites respeitados.

Recebia-se beijos repenicados, o invariável "Deus te abençoe" e a promessa implícita de tudo ali permanecer intacto e imutável como uma eterna Primavera.
A ingenuidade permitiu, durante algum tempo, julgar poder para sempre ter o colinho privilegiado do avô Francisco, as bolachas da Tia Helena e o humor apurado do Tio António.

As gentes foram mudando, os tempos também, a aldeia aproximou-se da cidade e eu fui-me afastando irremediavelmente das raízes na ânsia de uma errância libertadora.

Hoje sei que ainda tenho um pouco daquela Anita sossegada, mimada e frágil. E aceito-o. Ainda que com um misto de ternura e nostalgia.
Bons velhos tempos...

domingo, 4 de setembro de 2011

Em fuga da lua

Existem pessoas que têm sóis nas vidas delas.

Eu tenho uma lua.

Cheia, redonda e grande.
Opressiva, dominadora, implacável e ameaçadora, a maior parte das vezes.
Incompreensiva e tempestuosa, sempre.
Cúmplice, de vez em quando.

Invejo os sóis daqueles que até julgam não os ter.

Queria um pouco da liberdade, das certezas e da paz que eles parecem trazer.

Ao contrário da lua. Da minha lua.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

"Amanhã é sempre longe demais"

Curioso como o tempo, o espaço e as vivências nos moldam.
Sinto-me mais desempoeirada, solta, flexível e em sintonia com aquilo em que me tornei.
Nunca deixarei de ser curiosa, inquieta, crítica, exigente, perfeccionista e organizada.
Mas consigo levar a vida muito mais ao sabor de impulsos, de desejos momentâneos, longe da planificação, em parte castradora, de outros tempos.

Não raras vezes lanço desafios quase para ontem. Os meus amigos que o digam...
Porque a vida é para ser bebida com sofreguidão, com deleite, tendo ao longe o horizonte como meta, todos os dias deposto e reposto, acho.

Talvez ainda acredite no amor, no sonho de uma casita com jardinzinho à beira-mar, num S. Bernardo pachorrento e fiel amigo, num copo de vinho e num chocolate partilhados ao pôr-de-sol.

Nos momentos mais utópicos julgo ainda ser possível ser capa de revista, escrever para a UNCUT, tornar-me "groupie" e privar com lendas do rock and roll.

Sonhos com môfo, revisitados, "remasterizados", renovados.

Apesar de tudo, hoje sou feliz. Com o que tenho, com o que sinto, com o que vejo (medidas drásticas de contenção excluídas).

Em princípio de noite tempestuoso, só me apetece deixar embalar num clássico que tudo promete, ainda que em Casablanca...






quinta-feira, 25 de agosto de 2011

"Forever young"

Começar a escrever deveria ser sentido como um acto de entrega, desabafo e cumplicidade com as palavras e o sentido que lhes vamos imprimindo. Não como algo de sofrido, nervoso e inquieto.
Por alguma razão, tenho sentido um meio-medo em começar. Socorri-me de dois "chocolate peppermint creams" na esperança de uma excitação induzida semi-atordoante.

Em conversa, hoje recordei o tempo da minha "olivetti", com teclado HCESAR "comme il faut" em que bati poemas avulsos, trabalhos para História, requerimentos diversos. Era muito, muito menos prático, mas tinha o seu quê de profissional, de literário, de escritor exilado.
Lembro-me de a receber de presente dos meus pais e de me achar quase emancipada por ser proprietária do bem móvel que me parecia mais valioso, ao tempo.

Não havia a fantástica tecla do "delete", impondo correcções de um tecnicismo nunca por mim alcançado, tinha que se ajustar a folha e os espaços, não havia segundas ou terceiras oportunidades na mesma folha. Falta de inspiração ou de coerência do discurso implicavam um folha amarrotada acompanhada de inegável sensação de desalento.

Ainda sou do tempo do papel químico, das folhas de 25 linhas, dos telefones pretos que chiavam, dos rádios pouco portáteis que pareciam saídos de uma sala inglesa da Grande Guerra e que em horas inusitadas apanhavam na onda média estações de países distantes, desconhecidos, mas estranhamente familiares quando ouvidos.
Lembro-me de só haver leite do dia e pão de ontem ao domingo, fraldas de pano e alfinetes-de-ama, televisão a preto e branco e telefonemas para o estrangeiro via Marconi.

Longe vão os tempos da apanha de amoras pós-piquenique, das meias brancas de renda e sapatos de verniz "de boneca" como acessório obrigatório na roupa de Domingo, das prendas de Natal descobertas antes do tempo, da candura e inocência dos 10 anos reflectida em perguntas seguidas de comprovação no dicionário como: "Mamã, o que é um homossexual?".

São esses detalhes e a inevitável comparação com os actuais que me fazem ver que ter (quase) 40 anos não é o mesmo que ter 20. O tempo passa e cada vez fica mais para trás e menos para a frente.
O mundo mudou. Tanto.
Eu também.


sábado, 20 de agosto de 2011

Sendo

Com o passar dos anos tenho-me vindo a tornar menos paciente, mais irascível, não amarga, mas um todo-nada intolerante.
Mais autêntica em alguns casos, demasiado exigente noutros, mau-feitio em muitos deles.

Verdade seja dita, mandar (ainda que não expressamente, mas de forma implícita inequívoca) pessoas para sítios impronunciáveis, por agora (porque ainda se impõe algum recato), tornou-se cada vez mais frequente.

A vida não me deu segundas oportunidades para poder ser re-educada, por que raio havia de as dar a quem se cruza comigo?

Se por acaso me tratam como se fosse invisível, ou como se tivessem que descer de um pedestal para me dirigir duas palavras, ou como se julgassem me conhecer melhor que a mim mesma, ou ainda como se tivesse acabado de aterrar na nave-mãe vinda de um planeta com valores, princípios e expectativas, santa paciência, que vão "bardamerda" (ups e disse:)).

Inabilidade minha para criar um "redondo vocábulo".




Pensei ser imune a maledicências, a deslealdades e às insignificâncias que pautam a vida. Puro engano meu.

Assumindo a condição humana, em toda a sua plenitude, para o bem e para o mal, ponho-me a jeito para tudo me acontecer, mas não para tudo aturar, certo?

sábado, 13 de agosto de 2011

Sempre que regresso de viagem assola-me uma sensação de tranquilidade associada à volta ao ninho, ao mesmo tempo que a vívida sensação de ter um espírito livre, ávido e que vagueia sem destino, caixinha de armazenamento de memórias.

Apesar de não dispor de muitos carimbos no passaporte, sei que por muito longe que se vá não se consegue fugir do que nos atormenta e que as grandes emoções e experiências da vida podem não ser proporcionais aos kilómetros que se percorre.

Lembro-me das vezes que fui  "tocada", de forma incontornável, por várias pessoas e em diversas circunstâncias, sem sair de casa:


- Quando me questionou o afastamento um mês antes de morrer.

- Quando ele disse se ter apaixonado por outra pessoa, mas continuar a gostar de mim.

- Quando li ser uma guerreira de olhar doce.

- Quando ouvi na rua, sem introdução e sem desfecho, ter uns olhos lindos ( :) ai a vaidade...).


- Ou quando vibro ao som de peças magistrais como estas:





quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Navegar, navegar


Queria navegar sem bússola e sem amarras. Ao sabor da corrente, dos ventos e marés. Pelo menos mais vezes do que as que permito a mim mesma.
Aprendi a acreditar que essas viagens – alucinadas, incontidas, desmedidas e incertas – conseguem elevar-me acima de mim e do mundo, iluminam-me o olhar e o sorriso e conduzem-me a destinos inimagináveis.

No resto do tempo, a planificação toma conta de mim, impondo-me posturas sem margem para erros ou segundas avaliações, “fugas em frente” sem tempo para hesitações.

Mais não sou que pedacinhos partidos e colados dentro de uma vida de escolhas difíceis e desestruturantes. Equilibro-me no “fio da navalha” e isso dá-me uma lucidez especialmente pungente sobre a fragilidade e sobre a autenticidade dos afectos.

Apesar de tudo continuo por aqui, à espera que a espera não seja em vão.

 

sábado, 6 de agosto de 2011

Ao meu pai

O meu pai foi o primeiro grande amor da minha vida.

Lembro-me de aparentar ser impenetrável, forte e intangível, de condenar a hipocrisia, a deslealdade e a menoridade e de ter tiradas irónicas e bem-humoradas imprevisíveis.
Pensava e sentia muito mais do que dizia ou mostrava. As emoções eram uma amálgama de sentimentos intensos e contraditórios, uma corrente contra a corrente, uma nortada que abanava alicerces, ainda que de forma imperceptível e indelével.
A tranquilidade, a implacabilidade e a segurança que demonstrava eram, muitas vezes, escudo de protecção contra a incerteza, a dúvida e a fragilidade que sentia, sei-o agora. Intimamente.

Recordo-me da nossa cumplicidade dentro do mundo de silêncios e de portas fechadas e janelas entreabertas que era o nosso.

No fim (que chegou cedo e depressa demais), a fúria de se libertar da dor, o medo, enfim assumido, do sofrimento, a revolta contra a inevitabilidade da vida - e da morte -, as promessas por cumprir e os desejos por satisfazer ditaram o momento da partida sem que eu lhe pudesse dizer adeus.

Acredito que esse não tenha sido o nosso fim, mas apenas o início de uma outra caminhada reinventada, partilhada, sem contornos ou limites.

Lamento não ter partilhado contigo as alegrias, os sucessos e as dores dos meus dois terços de vida sem ti. Sei que me compreenderias. Fui feita da tua massa, do teu molde e orgulho-me disso. Tanto...
Perdoas-me o percurso acidentado, a insensatez, a rebeldia, as regras reformuladas a cada instante, as vezes que segui em frente quando devia ter parado?

Perdoo-te me teres deixado para trás. A mim. A nós.
Fizeste tudo o que podias. Mais do que podias.

Encontro-te em capítulos da minha história, vejo o teu reflexo no espelho da minha alma, sinto-te perto quando perdida e ainda ecoam nos meus ouvidos o som da tua voz grave e doce.

Tenho saudades tuas, papá.

Vemo-nos por aí?

Recordações

Por entre a nostalgia do passado, novas formas tomam movimento e novas cores outro brilho.
Atlanta dos Stone Temple Pilots ficou como marca improvável de um passado tumultuoso, mas infinitamente memorável.

(Des)amores

Ele disse: "Amo-te!".

E ela acreditou. Julgou aquele ser o último homem da sua vida, o fim da sua busca, o sentido e o norte que amiúde lhe faltavam.
Àquele amor sem tempo, sem lugar e sem limites, que avançava quando tudo ameaçava parar e ruir, ela entregou-se, agarrando-o como um ramo a uma árvore.

Naquele tempo, desconhecia tudo ser modificável. Não sabia poder a dor de amar demais transformá-la em fragmentos estilhaçados de um ser, ser possível sentir-se perdida dentro de si mesma, imaginar-se só depois de ter sido parte de um todo.

Recorda-se, agora, dos abraços apertados, dos sussurros partilhados, das viagens sem princípio nem fim.

Ela disse-me: "O amor pode ser grandioso. E devastador. Nunca te percas a ti mesma.".


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

De que valerá um vestido de noite sem noite? Menos do que uma noite sem vestido?

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

"Mainstream out"

Nos tempos idos de Abril de 2009 vi, com um brilho nos olhos e a sensação de que pairava acima do mundo, um mail que tinha escrito e enviado numa soalheira e promissora manhã de domingo primaveril publicado como "carta do mês" na BLITZ.

Ainda que a história não tenha tido continuação (continuo à espera do prémio prometido associado à qualificação do mail), talvez porque insusceptível de ter  - num mundo pequenino, nepotista e elitista como o nosso -, o lançamento de novos álbuns neste ano de 2011 pelos artistas de então parece-me motivo suficiente para re-publicar o que então escrevi, sem prejuízo de poder ser considerado, e desde já assumido, um exercício de auto-reconhcimento.

Assim:

«BON IVER surpreendeu-me pela simplicidade grandiosa, pela subtil ruptura com o som e as expectativas "mainstream", pela beleza tocante das suas melodias intangíveis, por me forçar a encontrar novos caminhos para a intensidade.
É um acto de coragem criar (música, telas, palavras) para nós próprios, despojados de recursos estilísticos, de meios exteriores, alheios às tendências do mercado e às pressões das produtoras, Justin Vernon fê-lo.

FLEET FOXES seduziram-me. De uma forma absolutamente inesperada arrebataram-me, ousaram tornar a harmomia de vozes na pedra de toque do álbum mais imprevisível de 2008, deixando como herança uma música sem tempo, fora deste tempo. E que bom foi descobri-los e mostrá-los a tantas, tantas pessoas.

Afinal há lugar para todos. Para os "cool", para os bravos e duros do "heavy", para os (pop)ulares, para os que arrancam "riffs" a uma guitarra como um filho a um ventre, para os que fazerm da sua independência e diferença imagem de marca e para os outros - os "out", os ensimesmados, os sensíveis e incompreendidos, os bem-comportados e "clean", os desajustados (lembro-me de SIGUR RÓS e de muitos, muitos outros).

A música tornou-se para mim um estado de espírito, tão íntima quanto uma emoção ou um pensamento, considerando, por isso, louvável o trabalho de quem me abre as portas da alma a novas sensações.»


Há actos inconsequentes, únicos e irrepetíveis que valem a pena e que continuam a fazer sentido não obstante não os conseguirmos reproduzir. Talvez se revelem mais preciosos por isso mesmo, não é?

http://youtu.be/GhDnyPsQsB0
http://youtu.be/3XZWdGKc4n8

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Quando não se consegue deixar de sentir

«- Vocês disseram que a cabeleira postiça era bonita. Mas parece cocó com um elástico à volta.
...
- Eu sou feio- diz Herman para a almofada.
A mãe inclina-se lentamente sobre ele.
- O que disseste?
- Eu sou feio! Eu sou feio!
- Não digas essas coisas. Ninguém é feio.
- Então eu sou ninguém.»


HERMAN, Lars Saabye Christensen

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Pr'aqueles

Se pudesse escolher, decididamente quereria por perto gajos (muitos) bons, bonitos e baratos. 3 em 1. Com tudo e em proporções idênticas: beleza e inteligência, elegância e carisma, charme e romantismo. Competência e ternura.

Porque passar a vida a desculpar aquele e aqueloutro por não ser exactamente uma cópia fidedigna do homem dos meus sonhos e tentar perceber traumas, medos e aflições, aos meus olhos, francamente menores, não está com nada.

Resolvam-se, decidam-se e, pelo amor de Deus, cresçam.
Se quisesse um puto mimado, procuraria-o numa escola secundária (e esse teria abdominais à altura de qualquer desafio e penteado "à Justin Bieber" à prova de rajadas de vento forte).

Não ser grande coisa e ainda por cima ser uma besta é mais do que uma mulher de bom-senso consegue aguentar.

Poupem-me a imbecilidades, a desculpas esfarrapadas e a atitudes de mau-gosto.
Não estou em saldo, nunca serei segunda ou terceira escolha de ninguém e, sim, antes só do que mal acompanhada.

"Helplessness blues"


O temperamento tempestuoso, imprevisível, guerreiro e rebelde advém do mar que me corre nas veias a par do sangue. Desse mar que prende, constrange e impõe limites, de que amiúde quis fugir, mas que a sempre desejo voltar, como se dele dependessem a força e a alma que transporto.

Apesar das certezas sobre as minhas origens, sinto-me vezes demais descontextualizada, mulher sem rumo e fora de tempo, contrariada e insatisfeita.

Talvez porque me devesse ter dedicado à escrita de tramas que contassem as minhas outras histórias: as invisíveis, as imaginadas, as desejadas e encaradas como apropriadas.
Aí, saberia de antemão a deixa e a cena seguintes. Não me desiludiria, não sofreria com os enviezamentos e as respostas enigmáticas que tudo e nada pretendem dizer.
Carreira a seguir, portanto. Numa vida alternativa. E depois de esgotada a hipótese intelectualmente superior e incomparavelmente mais exigente, e seguramente muito melhor remunerada, de me converter numa "miúda de programa de luxo":).

Valha-me a harmonia, a perfeição de determinadas melodias que me surpreendem e encantam. Enquanto houver objectos/sujeitos de admiração, há esperança. Para mim, pelo menos.


 http://youtu.be/KyP0DACgdgc
http://youtu.be/z9lrVZdaluk

domingo, 31 de julho de 2011

Desembarque

Aqui chegada, sinto-me como se tivesse atracado a um lugar distante, desconhecido e nunca antes imaginado.
Um pouco como encaro a vida. Como um livro por desfolhar ou um amor por descobrir.
A tudo e em tudo coloco expectativa, dedicação incondicional, afecto e intensidade.
Não me concebo de forma contida, alinhada ou conformada.
Impele-me a ânsia de viver, de deixar marca, de amar e ser amada.

Na viagem até este espaço de partilha, de repositório intimista de emoções, contei com a sugestão, a experiência e o apoio de navegantes, amigos a quem agradeço: Natália, Dina, Carlos, Tito. Vemo-nos por aí, sim?

Adequado à nortada recém-regressada e à interrupção do discurso (não te abandonarei, "bloguito"), junto Bowie numa "cover" avassaladora.
http://youtu.be/VbpMpRq6DV4