domingo, 20 de novembro de 2011

Crepúsculo

- E?- perguntou em uníssono o elenco de uma nova peça que se preparava para estrear.
- Mais do que alguma vez julguei ser possível. Eu tinha razão.
- Quanto a conhecê-la?- perguntou uma das actrizes, recém-descoberta.
- Também, Miriam. Descobri que nos tínhamos cruzado num elevador de hotel anos atrás. Falava, no entanto, do imenso que tinha percebido dela.
A Ema podia ser uma mulher igual a tantas outras e era-o, de certa forma. Para lá disso era o vento e a chuva. O sol na noite mais escura. O silêncio cortante e o abraço sem fim.
Senti-la era sentir-me à beira de um precipício; receoso, despojado, livre e autêntico.
Ao mesmo tempo que me permitia descobri-la, mostrava-me uma nova forma de amar. A verdadeira, a maior…
- Era bonita?- não se impediu o protagonista de perguntar.
- Muito. Lembrava-me o mar; sereno, intranquilo,  irrepetível, impossível de conter.
- O que aconteceu na montanha mudou-te?- perguntou ainda.
- Julgo poder dizer que nos mudou. Aos dois. Consegui sentir-me mais próximo do sentido e do significado que queria imprimir à minha vida. E ela, bem… ela parecia que tinha estado à minha espera.
Permitimo-nos abandonar-nos sem projectar o passo seguinte, saboreando cada instante. Lemos juntos, revimos filmes e descobrimos outros, cantámos fora do tom, dançámos, discutimos pontos de vista e opiniões, acabando, de certa forma, por encontrar o equilíbrio em quase tudo.
- E depois?- insistiu Miriam.
- Nunca houve depois. Como imposição ou obrigatoriedade de continuação, pelo menos. Houve o nosso tempo e o caminho que cada um traçou a seguir.


- Nunca serei a mulher ideal para ti, pois não?
- Porque dizes isso?
- A verdade, por favor.
- Talvez não. Esperas demasiado. De ti e dos outros.
- Somos felizes?
- Hoje, sim. Muito. Mas tenho medo que amanhã te pudesses sentir infeliz, tendo-me.
- Infeliz porquê?
- Porque terias medo das outras mulheres, porque me quererias mais e melhor, porque não te contentarias com os bastidores.
- Sou assim tão egocêntrica?
- És um sol que precisa de muito afecto para poder brilhar.
- Serei?
- Nunca conheci ninguém como tu, Ema. Deixei-me enredar no temporal que trazes. Ensinaste-me a ser verdadeiro, a ir só se quiser, a abrir-me e a deixar entrar. Fizeste-me frágil.
- Como te sentes?
- Em carne viva.
- Não…
- Dói-me saber que partirei amanhã. E que nos deixarei para trás.
- E tem que ser assim, João?
- Não, mas deve.
- Não quero.
- Nem eu. Quero que não nos esqueçamos de que conseguimos ser felizes e completos.